terça-feira, 8 de abril de 2014

MOMENTOS PENICHE LIVRE (O CONTO QUE ULTRAPASSOU OS 250 COMENTÁRIOS)

O REGRESSO 
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QUARTA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2010


A depressão e a saudade apoderaram-se de mim. As lágrimas, insistentes, rolavam no meu rosto. A dor tornara-se agonizante e insuportável. Não conseguia mais. Já tinham passado 50 Anos desde aquele fatídico dia 16 de Junho de 2010. Não suportei mais a agonia e resolvi dirigir-me ao pai. Tomei então, aquele caminho que à muito não percorria. Por entre verdes prados, em montanhas de energia, a minha alma foi inundada de uma calma à muito não sentida. Ao chegar olhou-me como se já soubesse o que ali, ia fazer. A luz mais brilhante que o sol inundou-me a alma.
- Pai! Preciso de te falar!
- Porque teimas em prender a tua alma ao térreo passado?
- Sinto saudades da terra, do povo, dos meus pais…dos meus pais…
- Porque estás assim?! Em breve estarão por aqui.
- Não tenho mais resistência! Pai! Por favor! Conceda-me uma excepção. Pagarei se possível…, por amor ao pai. A minha alma mora em ti!
Após breve reflexão perante tão sentidas palavras, sentiu-se obrigado a ceder forçado pelo amor ao seu filho.
- Está bem. Terás uma nova missão em breve.
Amo-te meu filho!
- Obrigado pai. Muito obrigado!
Ao proferir estas palavras vi-me catapultado para um corredor de luz que me era familiar e que se embrenhou na minha alma. Todo o sentido da minha eternidade estava naquela luz, por ela fiz-me vida.
As névoas desapareceram juntamente com a luz. Acordei em pleno largo da povoação. Abismado reparei em pormenores familiares: A velha torre da Igreja, em pedra e parcialmente caiada de branco. O soar das Ave-Marias, embora algo diferente e soando a gravação, ainda acontecia, assinalando o passar das horas. As árvores estavam completamente ressequidas, as pessoas em situação semelhante, as suas peles estavam escuras e enrugadas. Os olhos deixavam transparecer uma alma seca e tristemente marcada pelo desânimo e inércia. O sol era abrasador e insuportável. Porque estaria tudo assim num local outrora verdejante?
Por ruelas tão familiares, aproximei-me da minha antiga casinha, outrora embrenhada em brumas de ilusão e alegria. Estava praticamente em ruínas. Á entrada ainda existia uma bica tradicional de mármore envelhecido e com rasgos negros que marcavam a sua, já longa existência. As crianças, mal nutridas, fingiam, nela, beber água. Tudo estava ressequido. Um forte sentimento de tristeza foi-se apoderando de mim.
Finalmente decidi aproximar-me da velha porta de entrada da minha casa e repentinamente vi-me dentro dela. Entrei em pânico, pois a minha visão ultrapassou a referida porta sem que desse por isso. Foi uma experiencia pela qual nunca tinha passado.
Não pude deixar de reconhecer uma foto, de cor amarelada e ferida em cada mancha pelo passar do tempo, que estava em destaque na velha parede frontal da sala de estar. Um menino sorridente e feliz em cima de um cavalo, esse menino era eu. A emoção apoderou-se de mim. As lágrimas voltaram a rolar no meu rosto. Parecia ter recuperado o meu coração, pois sentia os seus batimentos.
Com a dor da minha dor avancei um pouco mais até ao antigo quarto dos meus pais, a surpresa não podia ser maior. Numa cama de ferro, velhinha e enferrujada, estava igualmente velhinha, deitada, a minha mãe em aparente estado terminal. Ao seu lado, na mesinha de cabeceira, uma série de fotografias minhas acompanhadas de uma empoeirada, imagem de Nossa Senhora de Fátima. Por cima da cama o familiar crucifixo, companheiro das minhas orações de infância. Bem junto dela e agarrando as suas mãos, das quais pendia um Terço em vidro azul que me era muito familiar, pude ver o meu pai. A sua cabeça vestira-se de neve. Nos seus olhos era visível o espaço ocupado pela tristeza e melancolia de toda uma vida. Como estavam velhinhos! Como o tempo os transformara. Senti uma enorme vontade de os beijar, abraçar, consolar-lhes na dor que ficou contida nas suas vidas com a minha partida…que dor senti naquele momento!
A luz do pai veio até mim.
- Vai! Vai para fora, a tua mãe estará em breve na minha morada.
Saí da casa em velocidade luz até a um campo que foi, noutros tempos, local de brincadeiras. Apoderou-se de mim uma nova e forte dor. Já não haviam árvores, relva, flores e água. Tudo estava seco, a cor amarelo-torrado predominava.
A luz apoderou-se, de novo de mim.

- Vem meu filho. Tenho uma nova missão para ti!....

Paulo Gonçalves

1 comentário:

  1. Tiago Araújo08/04/14, 19:36

    Foi uma grande prova de fogo. Um sucesso mais que merecido.

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