segunda-feira, 28 de abril de 2014

MOMENTOS PENICHE LIVRE

O CARACOL

Andava pachorrento e entediado, o caracol. O chuvisco, que tanto desejara, irritantemente, continuava a cair. As gotas, que das árvores escorregavam, produziam um som que lhe deixavam algo chateado. Tudo permanecia calmo demais. Nem das suas companheiras formigas, sinal havia. Olhou aborrecido para o céu com ar bem chateado e resolveu subir por um verde tronco de um vulgar caniço igual a tantos outros, muito embora este lhe parecesse mais elevado, ou não fosse tão sério o assunto que tinha para tratar com aquela nuvem tão chata.
Lá foi subindo a passo de caracol e muito esmerado em bater um recorde, dada a urgência que advinha da situação.
Chegado ao topo, olhou para o céu e não se deteve em contemplações.
- Olha lá ó nuvem, não achas que já basta?! – Interrogou demonstrando todo o seu desagrado, ao que a nuvem respondeu…
- Já basta o quê?
- De pingo mais pingo. Já chega! É que não passa disto. Porque não te vais embora e nos descobres o sol?
- Ora! Ora! Primeiro pedias chuva e agora queres sol, afinal o que queres, sol ou chuva?
- Não sejas parva. Já há dias que pairas sobre nós e tudo o que é demais enjoa.
- Qual é o teu problema?
- O meu problema é a solidão. Por causa dos teus pingos ninguém sai dos seus abrigos e eu não tenho com quem falar. De resto já aborrece ver tudo sempre tão molhado.
- És um caracol diferente dos outros. Até pareces humano!
- Humano?! Por que motivo, me fazes essa traumatizante comparação?
- É simples meu caro! Nunca estás satisfeito com nada. Se não chove, é porque não chove! Se chove é porque chove! Nunca estão satisfeitos com nada, mesmo que esse nada seja o melhor para eles. Sabes, estes seres nunca percebem nada e tudo para eles é complicado e sinónimo de insatisfação e infelicidade. Nunca dão valor ao que a vida contém.
O olhar do Caracol deixava agora, transparecer alguma desconcertação.
- E tu achas que eu sou assim?
- De certa forma sim! Não estás a entender o meu papel, a minha missão.
- Sim, já percebi!
- Estou aqui o tempo que for preciso. Tenho que regar os campos e esperar pelo vento pois é ele que me vai transportar para outro lugar. Por acaso achas que eu também não me aborreço de permanecer tanto tempo por aqui?
O Caracol baixou a cabeça envergonhado.
- Nunca tinha pensado nisso.
- Pois, eles também não pensam. Logo que venha o vento partirei e vos deixarei o sol.
- Sabes, agora acho que já desejo que fiques. Conversaste comigo, fizeste-me companhia e isto já não será o mesmo sem ti.
- Não te preocupes, volto sempre nos Invernos e colocaremos a conversa em dia.
De repente os caniços abanaram. O vento levantara-se. O sol começou a romper.
O caracol olhou de novo para a sua amiga que lhe gritava.
- Adeus amigo. Chegou a hora da partida, vou conhecer outros lugares. Gostei de te conhecer. Tem cuidado e fica sempre feliz. Volto no próximo Inverno.
- Adeus amiga. Fico à tua espera.
A tristeza tinha sido compensada pela certeza de ter ganho uma amiga.
Muitas vezes achamos que tudo está mal, mas onde o mal está poderemos sempre encontrar algo de bom. A procura da felicidade é sempre ambição humana, no entanto é sempre tão difícil reconhece-la em nós e no que a vida nos oferece. Talvez seja um mito ou talvez seja ignorância nossa.
Talvez…Talvez…


Paulo Gonçalves

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